Jamill Barbosa Ferreira - @JAMILLISSIMO
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A equipe Dior fez muito bem seu papel e apresentou uma coleção muito fashion,
moderna e jovial, prosseguindo a manobra iniciada por Raf Simons para a casa.
Mas, por favor, é essencial perceber que essa linha estética da roupa é uma
trajetória traçada por Alexander McQueen no final dos anos 90. Talentos jovens
e vaidosos conduzem a remexida Dior na tentativa de fazer valer seus próprios
nomes, enquanto a direção decide alguém para substituir Simons, e temos a
sensação de que as belezas de agora - primavera-verão 2016 - são um estratégico
retrocesso ao alto nível criativo da passagem de McQueen pela moda, como se
estivéssemos todos numa pesada sessão psiquiátrica, com direito a hipnose e muita
medicação, tudo para que certos trechos da moda sejam totalmente apagados. Como
um reaprendizado, uma tentativa de "corrigir" qualquer coisa, os
rascunhos para algo muito melhor. Ao mesmo tempo, isso é terrivelmente perigoso
e mexe totalmente com a essência estética de cada um e com a base construída e
construtiva da moda.
Não
se espante se, em menos de 2 coleções, você passar a considerar a Chanel
ultrapassada e, portanto, ver o brilho criativo de Karl Lagerfeld se esconder
diante do bombardeio visual de casas como a Dior. Nesse recuo estratégico, para
dosar criatividade e funcionalidade, além de outros elementos do luxo e da
estética, estão muito bem apresentados os eleitos ao esquecimento; o resultado do
trabalho de John Galliano, Jean-Paul Gaultier e, pasme, até Christian Lacroix seria
parte da turma e, injustamente, considerado extremamente "brega" e "excessivo", barrando
até mesmo a possibilidade do vintage continuar sendo chique; e todas essas
linhas seriam, portanto, excluídas da memória e de qualquer tentativa fashion. Por
mais que ainda identifiquemos sinais tradicionais da Dior, e que nos esforcemos
para traduzir tudo de modo que a essência do passado se torne presente em
certos detalhes, precisamos digerir modificações, aceitando que alguns códigos
são somente parte da história e que o nome é a única coisa que vai restar de
tudo que conhecemos da Christian Dior.
Ver
uma foto da Diana Vreeland usando alta costura Yves Saint Laurent nos anos 70,
com aquelas jóias gigantes, isso vai parecer ficção científica, um mundo
paralelo existente somente em registros da moda, qualquer coisa extraterrestre,
distante como o Antigo Egito. Tudo isso, de agora, é tão cinematográfico que
começamos a esperar a tendência estética da Delia Deetz voltar à tona de forma
muito chique! Será que é isso mesmo? Quase acontece uma segunda chance ao
estrondo da tentativa futurista que houve entre as décadas de 1980 e 1990. A
fantasia é tamanha e também realista, que nos tornamos vítimas de um
nivelamento entre o realismo usual e a criatividade de Tim Burton.
Assim,
a turma da Dior encenou suas personagens fashion e estamos todos aplaudindo.
Todos os decotes, a perfeita delicadeza dos bordados luxuosos, o toque de
modismo com o uso do brinco em apenas uma das orelhas. Os sapatos lindos, com
tiras amarradas nos tornozelos. E como são esqueléticas as manequins! A magreza
na apresentação de moda é algo totalmente essencial para o visual comercial, mas, na
alta costura não era assim; agora é necessário haver marcas dos ossos sob a
pele. Mas, dentro dos valores fashion, podemos admitir como é chique aquele
percurso que revela a coluna vertebral como base para sustentar um decote
ultramoderno e jóias em fios longos que sacodem direita-esquerda-direita...
Antes, a alta costura era basicamente montada sobre um manequim 42 e isso já
era complicado, havia muitas provas até a apresentação.
Ah,
o esforço das manequins pela fantasiosa estética criada e desenvolvida para a
imagem comercial e o bruto prazer da realidade, quando uma cliente que pesa 300
quilos pode simplesmente apontar para o vestido usado por uma esquelética
garota e dizer que quer um nas suas medidas! Nada é muito justo neste mundo e
haverá sempre um lado fraco da coisa... A Terra está longe de ser um lugar
maravilhoso! Eu sei que falar em magreza na passarela é quase como comentar
algo delicado como racismo, religião ou sexualidade. Mas, no fundo, todos esses
temas estão totalmente ultrapassados diante da importância do ser humano como
criatura individual. Particularmente e francamente, sem muita intensidade, o que
realmente me atrai na alta costura hoje em dia é o olhar francês, o inimitável
toque de classe parisiense. No mais, estamos redescobrindo uma receita de moda
futurista do passado.
Veja o desfile completo: