Uma Bagunça, se Não Fosse uma Tragédia

Yves Saint Laurent, prêt-à-porter, Inverno 2022.

JAMILL BARBOSA FERREIRA – Será que eu dou conta de voltar a atualizar o blog como antes? Bem, talvez o tema possa variar um pouco, porque em matéria de moda, com tantas mudanças, eu acabei filtrando, afunilando, selecionando... Pouca coisa realmente me interessa como consumidor e espectador - mesmo na alta-costura, que eu costumava gostar tanto. A tecnologia tem falado mais alto, adoro o que o John Galliano tem feito para a Margiela, do mesmo jeito que continuo amando os ternos Yves Saint Laurent, mesmo que tudo tenha se liquidificado por tantas mãos e novas tentativas. Só continuo lamentando que o Galliano passou a ser, ou demonstrar, um perfil tão introspectivo. Pelo menos, isso não parece atrapalhar sua criatividade e capacidade de olhar adiante. 
    A moda vem testando os clientes, exigindo cada vez mais dos designers, as coleções se atropelam, o lucro que precisa falar mais alto, as marcas em evidência a todo custo, sempre, e tudo precisa ser rápido, as formas são as mais variadas, as cores entram e saem da mesmice, misturam-se discreta ou grosseiramente, o óbvio aparece em estampas e texturas de nuvens e estrelas, bolinhas, qualquer coisa. As formas são somadas a alguns elementos surpresa que vão desde bichos de pano ou couro grudados à roupa, até bolsas em formato de avião que custam o preço de um carro, a Rhianna de tanga e baby doll na semana de moda. Isso tudo está muito longe de ser um elemento para construir o estilo individual, trata-se somente da moda da ostentação que percorre o mundo, de fazer graça, de parecer descolado, louco e rico. Embora a Rhianna deve ter se divertido um bocado nessa onda. Mas, apesar de tudo que faz parte do show, o lado tecnológico é muito mais atraente e importante do que paleta de cores e formas, transparências e diversões, por mais criativas e malucas, por mais surpreendentes que sejam ou pareçam ser.
    As peles ultra tecnológicas e caríssimas na alta-costura são um exemplo de como tudo vem se moldando, esse é o lado mais sofisticado, mais interessante e cuidadoso, porque visa atender os desejos de consumo de clientes super-ricas e cada vez mais engajadas com a preservação animal. As grifes, então, sob muitos aplausos, encerraram o uso de peles verdadeiras. Não posso deixar de citar a importância das ONGs e Instituições internacionais de preservação dos animais, como a PETA, que têm grande mérito nessa mudança histórica, desde quando os gritos eram silenciados, ridicularizados, com ativistas que invadiam passarelas com cartazes, antes de serem expulsas pela segurança. Hoje, a clientela faz esse papel, as grifes paparicam, os seguranças protegem. Ah, caro leitor, disso eu gostei mesmo.
    O luxo não está mais naquela lentidão do vintage em repetição, ele precisou vir adiante, verdadeiramente novo, também como ideia e valores humanos, bem além, amadurecendo para o tempo, sustentando, selando as necessidades comerciais e pessoais. O luxo precisou passar por esse processo e continuar representando, como sempre fez a moda, intenções, personalidade e o temperamento de quem consome a ideia, de quem veste o "look", de quem está disposto a gastar com isso sem a intenção do efêmero que o prêt-à-porter passa. 
    Como é bom ver a evolução das coisas, esse tema tão delicado ter entrado em pauta de tantos debates e decisões políticas que baniram de seus países as fazendas para criação e “produção” de animais que atendiam o comércio de peles não só no topo, na alta-costura, mas no mercado de luxo também, o prêt-à-porter. Não há mais como replicar o vintage legítimo, porque muito do que se fazia é ultrapassado, as peles verdadeiras não existe mais e tornaram-se cafonas. O presente e o futuro parecem muito mais interessantes, caros, desejáveis. Será que ainda podemos reverenciar o moderno antiquado que era desfilado nos anos 1990? O que daquilo era realmente o hoje?
    Eu ainda vibro com tudo que o Alexander McQueen fez, por tudo que era a Dior antes da saída do Galliano. Ninguém mais usa a palavra “tendência”, é totalmente fora de tempo, é até jeca... Você faz uma busca pelas pessoas do momento, elas usam roupas super pobres, curtas demais, mostram demais sem o charme que impediria a vulgaridade, os rostos estão deformados com botox, bocas amanteigadas, besuntadas, de batom, os cabelos lisos demais, perucas ressecadas banhadas, forçadamente brilhantes, laminadas, com muito produto de efeito visual, longe de qualquer naturalidade. Os fios de cabelo grudam nas pestanas gigantes, delineadores aos litros, tudo pesado, grudado, plastificado. 
    O over no pior sentido que jamais a moda poderia sonhar é o cartão de visitas para indicar onde é melhor anunciar sua marca, seu negócio. E vende! E abrem festas do nada, algumas não usam calcinha e mostram para chocar, agacham e urinam no meio dos convidados, recebem aplausos, entram em êxtase e mostram língua para os flashes. E as brigas, as tretas comem à solta por todos os lados. Os homens tiram camisa, enchem a cara, rasgam dinheiro, filmam o sexo rápido, postam no Instagram, são 100% depilados, acabam namoros, começam casos, lotam os bailes funk, haters e acusações de estupro, barra pesada, a enxurrada de publicidade nas redes sociais, reality shows, o fim da primeira classe da American Airlines do Rio para Nova York, arrotos nas mesas vizinhas, a cultura de ser marrento. O fim do masculino, o fim do feminino. 
    A política afundada na lama. Deputado que faz a linha de bondade num cenário de guerra, o palanque derrubado pelo peso da palavra desmascarada e descoberta: "elas são fáceis, porque são pobres". Os vídeos do Putin distribuindo flores para mulheres, enquanto as bombas acabam com a Ucrânia! Políticos brasileiros querendo liberar a caça, os jogos de azar! Incêndios destruindo nossas riquezas naturais, animais magníficos como onças sendo assassinadas por fazendeiros, pelo fogo, por nada! A gripezinha, os índios no alvo de gente que explora o que pode deles, o vergonhoso, revoltante e marcante atendimento público de saúde! A pobreza de tudo!
    Como as coisas mudaram, como ninguém aprende com o passado. Mas, ainda há a moda, coitada... Pois é, sou coerente com o tempo, sou compreensivo com a moda, eu tolero a alienação como rota de fuga da realidade, como um exaustor. E quando alguém muito competente, como o Anthony Vaccarello, estiliza uma marca super clássica, como a Yves Saint Laurent, podemos reviver a marcante aura da grife, mesmo não fazendo mais alta-costura, que teve tão inesquecíveis clientes pelo mundo, quando tudo parecia mais bonito, quando as pessoas eram mais vaidosas, menos maldosas, mais talentosas, amorosas, autênticas, vivas. 


Texto convertido de áudio.

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